A essência da transformação

Por Jair Moggi

O objetivo deste artigo é apresentar conceitos e modelos práticos para planejar, desencadear e monitorar processos consistentes de mudanças nas organizações, a partir de uma visão holística e inovadora do ser humano e das empresas. Pretendemos também conceituar processo de mudanças, mostrar suas amplitudes, impactos e destacar aspectos que podem facilitar, dificultar ou condicionar as transformações das empresas. Este modelo e os conceitos aqui apresentados vêm sendo pesquisados e aplicados com muito sucesso há mais de 15 anos em dezenas de empresas brasileiras pela Adigo-Consultores.

  • Mudanças: por que toda esta onda agora?
  • A noção de Arquétipo como âncora dos processos de mudanças
  • As dimensões da mudança
  • Como as empresas brasileiras tentam mudar
  • Visões sobre o ser humano
  • A visão holística do ser humano
  • O pensar, o sentir e o querer como energias básicas no processo de mudança
  • A visão holística das organizações
  • As pontes entre o indivíduo e a organização
  • O verdadeiro diferencial competitivo
  • Programas de mudança x Processos de mudança
  • O modelo de Processo de Mudança
  • Estratégia de alinhamento

1. Mudanças: por que toda esta onda agora?

Na soleira do terceiro milênio, a palavra chave no contexto empresarial é mudanças. Principalmente, mudanças nos estilos de gestão, já que os modelos da gerência científica, inaugurados por Taylor e Fayol no início deste século — que significaram uma verdadeira revolução que influenciou de forma decisiva a formação da vida econômica do século xx-, mostraram-se superados.

A emergência deste tema se acentuou em todo o mundo ocidental a partir do declínio da hegemonia econômica dos Estados Unidos, ocorrido a partir de meados da década de 70 e caracterizado pela queda da produtividade das suas empresas e conseqüente perda de competitividade dos seus produtos em quase todos os mercados do mundo, inclusive em suas próprias fronteiras, verificado a partir do avanço dos produtos produzidos em países orientais (Japão, Coréia, Singapura e Taiwan), com melhores qualidade e preços.

Associam-se a esse fato também as experiências participativas consolidadas em diversos centros irradiadores de padrões de eficiência como por exemplo: a co-gestão nas empresas alemãs, o modelo escandinavo de participação, cuja experiência mais conhecida é a da empresa sueca Volvo ( grupos semi-autonomos) na localidade de Kalmar, as empresas auto-geridas e os Kibutzin em Israel, o modelo francês (Comité d`Enterprise), o Inglês (Labor Management Joint Committee) e, principalmente, o modelo participativo japonês, responsável pela recuperação da economia daquele país no pós-guerra e pela posição de importância e de eficiência que a economia japonesa ocupa no cenário mundial.

O modelo mecanicista de gestão vigente até então é, por definição, lento e reativo. Ele respondia às necessidades de décadas estáveis e de crescimento contínuo, no qual o futuro era mais ou menos previsível. Mas não consegue mais dar respostas adequadas aos processos de competitividade em nível planetário que se aceleram, com aumento da complexidade das sociedades e das organizações.

Todas as tendências indicam que empresas com um modelo de gestão tradicional não ultrapassarão a primeira década do próximo milênio. Líderes, empresas e instituições que orientam as suas ações e decisões pela mentalidade tradicional serão cartas fora do baralho. Empresas que dez anos atrás pareciam inabaláveis hoje já não fazem mais parte da lista telefônica, acabam se encolhendo quando não fecham as portas por não terem conseguido adaptar-se às exigências dos novos tempos; isto é: não conseguiram… mudar! apesar de o quererem.. Mas querer mudar não basta. É preciso saber mudar. O não conseguir mudar geralmente ocorre pela falta de consciência de fenômenos sutis que estão por trás do processo de mudança. É sobre esses aspectos sútis dos Processos de Mudança organizacional que pretendemos explorar nesse artigo.

2. A noção de Arquétipo como âncora dos processos de mudanças

Quem está interessado em mudar realmente as organizações já sabe que isso só é possível quando mudam os indivíduos e os grupos que as compõem. Qualquer indivíduo que deseje mudar também sabe o quanto esse processo é difícil. Não bastam centenas de palestras e cursos indicando que a mudança é o melhor remédio. Esses treinamentos falam muito ao processo do pensar e, sem dúvida, se forem bem executados, podem ajudar a encontrar os caminhos da mudança. Mas são insuficientes, por que ignoram ou não dão a devida ênfase aos Processos do Sentir e do Agir.

Um bom exemplo talvez seja o do ato de fumar. Quantas e quantas pessoas continuam fumando, mesmo sendo capazes de dar verdadeiras palestras sobre os males do cigarro.. Parar de fumar, deixar de ser uma pessoa competitiva para se tornar mais cooperativo, sair da cultura do ter para outra apoiada no ser, do estilo autoritário para o de liderança são mudanças de atitude. Para que essas transformações internas realmente ocorram é preciso mais do que pensar ou concordar com uma teoria. É necessário sentir e também agir no mundo externo. Fazendo consultoria, convivendo com as pessoas nas empresas, notamos sempre a diferença entre um processo e outro. Indivíduos que concordam com você, que são conscientizados, ou que te apoiam numa votação são muito diferentes daqueles que têm um insight profundo – e só este leva a mudanças reais e duradouras. É impossível conseguir esse captar intuitivo por argumentos racionais e lógicos que multifacetam a realidade, analisando-a de pontos de vistas individuais, parciais ou poluídos por uma abordagem maniqueísta.

O insight acontece por várias vias, e a mais comum é pela evocação de imagens arquetípicas. O que são elas ? São imagens primordiais que na infância da humanidade formaram o inconsciente coletivo de nossa espécie, exercendo influências fundamentais no processo de desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos sociais. Elas estão presentes de maneira quase uniforme na ação das pessoas de todos os quadrantes do planeta e em todos os tempos.

Os arquétipos formam o cerne dos mitos das mais diferentes civilizações e culturas, nos contos de fadas, nas obras de arte e nas lendas de todos os povos. São coisas que as pessoas não sabem que sabem, mas que, quando entram em contato com elas, captam sua essência como se lembrassem de algo muito conhecido, num fenômeno intuitivo, profundamente motivador de mudanças.

Quando uma pessoa ou um grupo descobre e incorporar modelos e conceitos arquetípicos ao seu jeito de ser e à sua atuação – e, portanto, ao seu processo de gestão – é como se descobrisse o segredo dos deuses. Todos nos identificamos, por exemplo, com obras de arte clássicas, que associamos ao arquétipo de beleza. Se procuramos a beleza hoje, e conseguimos nos apoiar nesse arquétipo, ficamos plenamente satisfeitos. O mesmo acontece com vários outros arquétipos, como os de ordem, verdade, beleza, bondade, qualidade, etc.

Para os filósofos gregos , que queriam chegar ao princípio explicativo do universo, e, portanto, à origem da mudança, esse princípio era denominado arqué e era identificado com algum elemento natural, como a terra, a água, o ar e o fogo. No esoterismo cristão, que teve sua presença forte até o século IV, os arqueus eram os seres da hierarquia angélica que detinham a sabedoria que possibilitou a construção do universo. Segundo as pesquisas de Rudolf Steiner (1863 – 1925) , fundador da antroposofia, os arquétipos têm origem em tempos imemoriais, quando seres supra-sensíveis das mais altas hierarquias celestres doaram parte das suas substâncias formadoras para plasmar o universo físico-sensível que conhecemos. Portanto, é possível, hoje, ter acesso a esses impulsos arquetípicos ontológicos em benefício da própria evolução do ser humano, das instituições sociais que ele constrói, – como as empresas, por exemplo, do planeta e do próprio universo.

A noção de arquétipo está na própria raiz das palavras arte, artífice, arquitetura, arquiteto, que trazem sempre a idéia de estrutura, sustentação ou de vigas invisíveis que mantêm uma grande construção. Se considerarmos os arquétipos como vigas invisíveis que sustentam a edificação de uma empresa orgânica ou a base de um processo de qualidade total autosustentado, estaremos bem próximos das mudanças desejadas.

A importância dos arquétipos é reconhecida pelos psicólogos e terapeutas por darem à identidade pessoal ou à identidade de um grupo e para fortalecer valores morais. Rollo May , por exemplo, sustenta que o nível mais profundo do inconsciente só pode ser descoberto e contatado por via dos arquétipos que podem fazer a ponte entre o espiritual, o imaginário e a realidade consciente. Outros autores dizem ainda que o crescimento da busca emergente de soluções para problemas espirituais e comportamentais em terapias, verificado principalmente neste século nas sociedades industrializadas se deve à perda de contato com esses princípios universais que as sociedades não industrializadas possuíam e que poucos remanescentes nos dias de hoje ainda preservam, de certa maneira.

Quem se interessa pelos aspectos psicossociais e de organização como consultores, empresários e executivos – deve dar mais importância aos arquétipos pois, quando eles são apreendidos pelos indivíduos e pelos grupos, possibilitam um imenso referencial e funcionam como uma âncora muito forte para a sustentação dos processos de modernização na prática do dia-a-dia. Os arquétipos têm a qualidade de dar racionalidade a um mundo muitas vezes sem sentido, neste processo acelerado de mudanças que estamos vivendo.

3. As dimensões da mudança.

“O essencial é invisível aos olhos” Saint Éxupery

Todos os seres vivos trazem em si duas tendências: conservação e diferenciação (esta pressupõe a mudança). Elas se manifestam ao longo de toda a vida e em todos os aspectos. As pessoas se diferenciam pela mudança e, ao mesmo tempo, precisam conservar a si mesmas, como individualidades únicas. As fases de mudança são cercadas pelo fenômeno da crise — e a crise definitiva é a morte, que pode ocorrer em qualquer etapa da vida. A empresa, como ser vivo, (como veremos ao longo desse artigo), também passa por essas crises de mudança e corre os mesmos riscos de “morte”.

A diferença entre a empresa e as outras entidades físico-orgânicos ( seres vivos) é que aquela é uma entidade abstrata que tem origem no mundo das idéias, do invisível ou do mundo espiritual numa concepção mais filosófica. A empresa existe a partir de uma idéia ou de um impulso quase sempre nobre de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. Portanto, ela não precisa, necessariamente, “morrer” como as entidades físicas-orgânicas. Essas características sutis a empresa, se percebidas e tratadas de forma adequada, podem fazer com que ela aprenda, se desenvolva e transcenda no tempo, como entidade coletiva.

O mundo empresarial, cultural, religioso e governamental está repleto de instituições que cresceram, sobreviveram e se desenvolveram indo além das pessoas que lhes deram origem. Para isso, a empresa precisa saber mudar e se sintonizar com as suas próprias fases de desenvolvimento e, principalmente, com as exigências do mundo, ou melhor, com as exigências do mercado que é a razão da sua existência. As mudanças numa empresa ocorrem nas seguintes dimensões ou níveis qualitativos:

a) Nível da sua Identidade que está afeito aos fundadores ou aos acionistas majoritários que fornecem o capital ou do nível dos dirigentes de carreira (profissionais empregados), responsáveis pela estratégia e pelos resultados das operações. Essas pessoas influenciam decisivamente na formação e consolidação da identidade, do caráter ou da essência invisível da empresa.
Para este nível, a mudança implica em respostas a questões estratégicas (associadas muitas vezes a definições existenciais ligadas às pessoas que comandam o negócio) do seguinte tipo:
Por que estamos nesse negócio ? O que nos liga com o negócio Queremos continuar neste negócio ? O negócio é rentável ? Qual é o nosso objetivo com este negócio? Quais são os nossos valores ? Quais são as questões com a sucessão ? (no caso de empresas familiares). Qual é de fato o nosso negócio ? Qual é a nossa missão ? Qual é a nossa vocação ? Qual é o meu projeto de vida pessoal ? Em que ponto esse projeto existencial se conecta com o negócio ? Para onde queremos ir ? Qual é a nossa estratégia ? Qual é a nossa visão do futuro do negócio? Como vemos os clientes? Como nós nos vemos pessoalmente daqui a 10 anos?, por exemplo. Dependendo do nível de consciência desse grupo para com as respostas a essas questões, os demais níveis da empresa serão impactados e/ou mudados com ênfases e formas diferentes. Quando a empresa não tem respostas claras e consistentes para essas questões, podemos dizer que ela tem uma crise de identidade ou espiritual, decorrente de uma ausência de idéias ou de visão estratégica.

b) Nível das pessoas, ou nível das relações. Esse nível contém tudo que acontece entre as pessoas. A mudança se torna necessária quando sintomas do seguinte tipo aparecem: clima organizacional péssimo; desmotivação; greves constantes; problemas de liderança; etc. É a crise estratégica, porque são as pessoas que executam as estratégias da empresa. Quando há esses sintomas, dificilmente as estratégias são implementadas, ou o são de forma adequada. As origens ou causas desses sintomas podem ser encontradas no nível anterior.

c) Nível dos processos. Processos, aqui, tem o sentido de fluxos básicos de produção, de matéria prima, de informações etc..; necessários para atender os clientes internos e para produzir e comercializar produtos e/ou serviços. Os sintomas de necessidade de mudança aparecem com a crise de resultados. A empresa não consegue ter produtividade nos processos: há um ciclo muito longo entre a venda e o recebimento, lentidão no lançamento de novos produtos, problemas graves de qualidade gerando devoluções, etc. As operações normais da empresa não geram resultados suficientes para pagar os recursos empregados na operação e deixar lucros para remunerar acionistas, investir em expansão etc. As origens dessa crise, são também localizadas nos níveis anteriores.

d) Nível dos recursos compostos por terrenos, máquinas, equipamentos, matéria prima, etc. A necessidade de mudança fica evidente quando a empresa está numa situação desesperadora, a ponto de necessitar vender os seus ativos para pagar débitos. Ou, então, já é concordatária. É a crise de liquidez, isto é, falta de recursos para sobreviver. Nesta etapa, a mudança às vezes nem é mais possível. É quando muitas empresas morrem literalmente, pela falência ou pela absorção por um outro grupo ou é simplesmente vendida. Na essência, a origem dessa crise, também pode ser localizada nos níveis anteriores.

4. Como as empresas brasileiras tentam mudar?

No Brasil – um mercado extremamente fechado, pelo menos até o início dos anos 90, quem fez esforços para mudar perdeu uma década tentando imitar os japoneses com seus instrumentos de qualidade, pensando que isso nos salvaria da notória baixa competitividade. Cometemos, assim, os erros de aplicar conceitos fora do nosso contexto cultural e de fazê-lo de forma isolada do contexto da empresa. Tratamos a produtividade e a qualidade com paliativos que funcionam como vernizes sobre uma realidade que merece ser encarada com maior profundidade.

Entre muitas iniciativas algumas até modismos que marcaram essa época podemos destacar: Planejamento Estratégico, Desenvolvimento Organizacional (DO), Administração por Objetivos (APO), Teoria Z, Análise Transacional, Qualidade de Vida no Trabalho, job enrichment, orçamento base zero, Análise de Valores, dowsizing, CCQ, Terceirização, Kaizen, zero defeitos, PDI, TQC, JIT, KANBAN, KT, 5s, ISO-9000, neurolinguística e reengenharia. Não é que esses instrumentos ou conceitos não tenham importância ou validade no processo de mudança.

O problema é que eles foram aplicados sem uma visão integradora. Foram utilizados, na grande maioria das vezes, a partir de uma visão mecanicista, o que é própria para organismos mortos e não para organismos vivos e dinâmicos como as organizações. Esses instrumentos, que têm início meio e fim são meros programas que esgotam suas potencialidades justamente por não se incorporarem ao “jeito de ser” das empresas por que lhes carece a visão de processo de desenvolvimento, que ao contrários dos programas, têm impulsos iniciais, têm princípios balizadores, mas não têm fim.

A busca de patamares definitivos de qualidade, produtividade e competitividade implicam numa profunda mudança cultural que envolve a empresa toda, independente do seu porte, ramo e histórico.. Por exemplo: liderança autocrática, centralizadora, burocrática e instrumentos de qualidade excluem-se mutuamente. O movimento atual pela qualidade total e agora, a reengenharia, que na essência se configuram como nomes novos para questões antigas, agregaram temas até então não muito afeitos às questões empresariais — como ética no trabalho e nas relações com funcionários, clientes, fornecedores, comunidade e meio ambiente — como premissas para se falar em qualidade total de maneira consistente.

5. Visões sobre o ser humano

Se quisermos ver a empresa como um organismo vivo, surge a questão: onde buscar esta visão? Parece ser sensato procurá-la junto ao organismo vivo mais perfeito da natureza, que é o próprio ser humano. A dificuldade é: com que visão de ser humano vamos trabalhar? Existem muitas escolas de pensamento que enxergam o homem de maneiras diferentes e essas visões impregnaram a cultura de abordagens ideológicas e maniqueístas que amarram as pessoas e as empresas a paradigmas que dificultam os passos em direção à mudança. Basicamente quatro visões de ser humano foram concebidas ao longo do tempo e têm orientado o tratamento das mudanças organizacionais.

a) A visão tecno-mecanicista
Popular no fim do século passado, esta visão compara o ser humano a uma máquina: o coração é uma bomba; o fígado, uma fábrica de açúcar; o cérebro, um centro de informações. As suas bases estão em René Descartes (1596-1650), filósofo, matemático e fisiologista que afirmava que as atividades dos músculos e tendões, o processo de respiração e mesmo a sensação podiam ser explicados por conceitos mecânicos.

b) A visão nativista
É muito antiga e vem do conceito do poder divino dos reis. Refere-se à hereditariedade e à composição genética de uma pessoa, transmitida pelos pais. No extremo, é uma psicologia de instinto que minimiza o papel do ambiente na determinação do comportamento. As propriedades básicas do ser humano — inteligência, personalidade, motivos, percepções e emoções — não são concebidas como sujeitas a mudanças qualitativas durante o período de vida, mas presume-se que existem pré-formadas antes do nascimento.
Thomas Hobes, contemporâneo de Descartes, a criticava, mas sustentava uma psicologia materialista e determinista para os fenômenos humanos. No século XIX, surgiu um novo nativismo, com Darwin e Haeckel, a teoria da seleção natural, popularizada nos anos 70 pelo best-seller de Desmond Morris, O Macaco Nu. Esta visão evoluiu, no século XX, para a biogenética que consegue manipular o material genético para pré-determinar certas características do indivíduo.

c) A visão behaviorista
O pensador inglês John Locke (1632-1704) iniciou este enfoque ao afirmar que, na hora do nascimento, o homem é uma folha de papel em branco (tabula rasa) e que todo o conhecimento chega através dos sentidos. O ambiente externo seria o único fator determinante do comportamento do indivíduo. Propunha que ações seguidas de recompensas são fortalecidas, enquanto ações seguidas por punições são enfraquecidas ou extintas. A investigação experimental desta suposição foi realizada no final do século passado por Edward L. Thorndike (1874-1949).
Antes dele, porém, o fisiologista russo Ivan P. Pavlov (1849-1936), após experiências com cães, afirmou que o processo de aprendizagem humano consistia na formação de uma associação entre um estímulo e uma resposta. Desta linha destaca-se o psicólogo americano Skinner, com o estudo do comportamento como ciência objetiva. A famosa caixa de Skinner é hoje equipamento essencial na maioria dos laboratórios de psicologia e muito dos métodos de ensino atuais (testes de múltipla escolha, programas de treinamento operacional, etc.), têm a sua gênese nas experiências de Skinner.

d) A visão personalista ou psicologia humanista
Nomes conhecidos que defendem esta visão são: Maslow, Rollo May, Gordon Allport, Mc Gregor, Carl Rogers entre outros. A psicologia humanista preconiza que o indivíduo adulto determina seu próprio caminho, dirigindo-se para níveis mais elevados de autoconsciência. Há em cada indivíduo uma consciência que lhe permite significar e optar. Essa consciência autônoma e interna é a liberdade individual. Uma visão muito recente derivada desta abordagem é dada pela psicologia transpessoal. Todas essas visões são compartimentadas, limitadoras da grandeza e da complexidade do ser humano, que deve ser visto a partir de uma abordagem integrada e holística. O que será apresentado a seguir:

6. A visão holística do ser humano

Esta visão foi desenvolvida pelo cientista e pensador austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) e integra as visões apresentadas. Nela, encontramos a visão mais abrangente, holística, arquetípica e esclarecedora sobre o ser humano. A seguir essa totalidade é apresentada em 4 níveis, qualitativamente diferenciados.

a) Nível 1 – O corpo físico
A essência do corpo físico está num cadáver, sem vida e sem reações. A matéria para o nosso corpo físico a tomamos emprestada do reino mineral e a ele a devolvemos com a morte. Características do corpo físico são: ter forma, consistência e obedecer à lei da gravidade.

b) Nível 2 – O corpo vital ou etérico
Pode ser observado claramente quando dormimos, mas os nossos processos vitais funcionam sem a participação da consciência. O nosso corpo físico é permeado pelo nosso corpo vital ou etérico que plasma a forma, combate a tendência de decomposição do corpo físico e supera a lei da gravidade. A atividade do corpo etérico é mais visível na planta que, vencendo a gravidade da matéria, cresce em direção à luz. O reino vegetal consiste de corpo físico (visível) e de corpo etérico ou vital. Quando dormimos, em certo sentido, vegetamos como a planta.

c) Nível 3 – O corpo astral ou a nossa alma (ânima)
Quando despertamos, recuperamos a consciência. A nossa alma despertou. O reino animal revela bem este nível. O animal caracteriza-se por ser animado, ter movimento. Obedece aos seus instintos e vive em função de arrumar alimento e procriar. O animal é altamente especializado. Sabe fazer certos trabalhos com perfeição. Alguns exemplos: a abelha constrói a colméia; a aranha tece a teia; o castor constrói diques para represar a água; etc. O animal pode ser condicionado a determinadas reações mediante estímulos externos, mas não possui o dom do livre arbítrio. Se tivéssemos apenas corpo físico, etérico e astral, seríamos tão animais quanto eles.

d) Nível 4 – O EU, o componente espiritual do ser humano
Todos nós falamos EU. É a única palavra para a qual não não há nenhum correspondente para apontar algo fora de nós. Cada individualidade é um ser espiritual único. Não existem, nunca existiram e nunca existirão duas individualidades idênticas nesse planeta. Cada ser humano é dono de uma biografia única. Enquanto o animal já nasce com as habilidades instintivas, podendo se dizer que ele nasce pronto, cresce e envelhece. o ser humano nasce indefeso, dependente e precisa aprender tudo para sobreviver. Comparado ao animal poderíamos dizer que o ser humano é um parto precoce. Em compensação, o homem evolui e aprende até o último dia de vida. Conforme amadurece, acumula experiência habilidades e sabedoria adquirido principalmente a partir do jogo das polaridades que vive através das polaridades da sua alma, através do seu Pensar, do seu Sentir e do seu Querer ao longo da vida.
Missão de vida e valores como, solidariedade, abnegação, altruísmo, ética e moral emanam da esfera do EU que se confrontam com as cobiças que emanam de nossos instintos e necessidades fisiológicas. A alma humana é o palco das confrontações entre os impulsos espirituais e a cobiça. O ser humano não evoluido segue mais as cobiças, característica também dos animais. O ser humano evoluído ou consciente segue mais os impulsos espirituais, dominando a cobiça e os instintos e determinando a sua conduta conforme os seus valores e a sua auto-consciência.Os antigos gregos arquetipicamente identificavam essas esferas do ser humano com os elementos terra, água, ar e fogo isto é: Terra – Corpo Físico; Água – Corpo Vital; Ar ou luz – Corpo astral; Fogo – Eu.

A figura abaixo apresenta uma síntese gráfica desses conceitos.

7. O pensar, o sentir e o querer como energias básicas no processo de mudança

Esta visão holística do ser humano não seria completa se não apresentássemos também as três energias que permeiam e cercam a “estrutura do Eu”, isto é o pensar, o sentir e o querer ou agir.

a) A energia do pensar é localizada no sistema neurosensorial, cuja sede está na calota craniana, o cérebro, a sede da consciência. O pensar está localizado na parte mais fria do corpo humano que é o cérebro. O cérebro humano é rugoso, imóvel e flutua num líquido que amortece os movimentos, para manter inalterada a sua função. É um orgão que não se expande e não se contrai após determinada idade. É, em certo sentido, morto e frio, se o compararmos com o dinamismo dos outros orgãos do corpo humano.
Embora fique cercado por uma invólucro ósseo quase inexpugnável, o cérebro está presente em todo o corpo através das terminações nervosas. A faculdade do pensar saudável, tem muito dessas qualidades, pois é: lógico, claro, consistente, cristalino, retilíneo etc. De tudo o que é físico e chega ao cérebro, após captado pelos sentidos, o pensar se identifica com o que não é material.
Exemplo: dos alimentos, capta o gosto; do ar, o som; de uma montanha, a imagem (cor, forma, luminosidade etc.). É como se o cérebro desmaterializasse as coisas físicas e ficasse apenas com a essência dos mesmos. Dos encontros que temos com o mundo retemos apenas imagens. Essas imagens não são realidades, são como fotografias ou sombras do mundo real. A memória é o nosso arquivo dessas fotografias.

b) A energia do querer ou agir está localizada no sistema metabólico locomotor. Colocamos o pensar em ação através dos músculos, mãos. pernas, deslocamento do ar pela voz etc. Por exemplo: o escultor, ao ver um bloco de mármore, pode imaginar uma bela obra de arte, mas ela só se tornará realidade quando ele, com seus músculos, lhe der forma. Em nosso sistema metabólico estão sediadas forças enormes de transformação. Por exemplo, o processo digestivo é uma verdadeira usina atômica desintegrando e processando substâncias e tirando dos alimentos a parte sutil que nos sustenta; no baixo ventre estão os orgãos reprodutores com energia para gerar um novo ser humano. Neste âmbito ficam as ações inconscientes, os instintos, ou as cobiças. As forças de ação e querer são polaridades complementares das forças do pensar. Se o pensar capta o ambiente externo e o internaliza através de um processo de desmaterialização, podemos dizer que as forças do querer materializam no ambiente externo as imagens mentais.

c) O sentir pode ser caracterizado no sistema rítmico do ser humano, é composto por pulmões, coração e sistema circulatório. O sentir (coração) faz a ponte entre o pensar (a cabeça) e o querer (os membros). Esta esfera nos coloca em contato com o mundo. Quando inspiramos, é como se absorvessemos o mundo, quando expiramos nós nos colocamos no mundo. O sentir é a energia que faz a ponte entre o querer e o pensar está sempre atuando em polaridades entre simpatia e antipatia. É uma energia volátil. Por exemplo, se você está dirigindo um carro com tranqüilidade e, de repente, é fechado por outro carro, o normal é mudar rapidamente de estado de espírito, de calmo para agitado, todo o sistema rítmico se altera, respiração e circulação.
As expressões populares como”: estar com o coração pulando de alegria, ou com o coração partido”, sintetizam as qualidades do sentir. Esses princípios arquetípicos atuam de forma muito forte nos processos de mudança organizacionais e precisam ser reconhecidos. É fácil perceber que, nas empresas, há pessoas que são mais da esfera do pensar — argumentam de forma brilhante, têm excelentes idéias, fazem discursos, ou escrevem tratados conceituais, mas não fazem acontecer, isto é, não agem na realidade.

Outras são mais voltadas para a ação, para o querer, mas não pensam, não avaliam as consequências ou não dominam os conceitos de uma situação, atropelam, não se importam com as consequências éticas e morais das suas ações. Ou então aquelas que são puro sentimento, tidas como imaturas, sonhadoras, ingênuas ou que reagem de forma explosiva, os temperamentos do tipo 8 ou 80. São com essas energias que estamos mexendo nos processos de mudanças individuais e coletivas.

A figura 2 apresenta um esquema gráfico desses conceitos.

Estaremos chegando na essência dos processos de mudança que têm dado resultados quando conseguirmos de forma consciente, equilibrar o pensar, o sentir e o querer que é uma missão inalienável da individualidade, do “EU” e essa missão só é possível de ser feita no e através do grupo, a partir de uma abordagem construtiva e integradora. A seguir será apresentada uma visão holística das organizações e a sua conexão com essa visão do ser humano.

8. A visão holística das organizações

À semelhança da visão sobre o ser humano, existem várias visões sobre as organizações. Não vamos delineá-las aqui porque pressupomos que já são razovelmente conhecidas pelos leitores que se interessam pelo tema desse artigo. Apresentaremos a seguir uma visão derivada das nossas pesquisas e dos nossos trabalhos práticos como consultores de gestão em dezenas de empresas brasileiras. Este modelo tem se revelado com uma excelente âncora para conduzir processos de mudança de forma eficaz, uma vez que está assentado sobre a visão holística do ser humano apresentada anteriormente Esse modelo diferencia tudo que existe dentro de uma empresa em quatro níveis qualitativamente diferentes:

a) Nível 1 – Recursos – Neste nível, incluimos o que é físico, material e ocupa espaço, tais como: prédios, instalações, máquinas, ferramentas, equipamentos, recursos financeiros e humanos. Este nível tem as seguintes características: é mensurável; palpável; físico/material. Quando visitamos uma fábrica, escritório ou consultório no fim de semana, estando tudo parado, deparamo-nos com o nível dos recursos da empresa ou com o seu corpo físico.

b) Nível 2 – Processos – Este nível permeia o nível anterior na segunda-feira de manhã, quando os funcionários chegam, os portões se abrem, as chaves das máquinas são ligadas e os processos começam a fluir. Este nível compreende os fluxos vitais da empresa como fluxos de matéria prima, peças semi-acabadas, peças prontas para montagem, documentos, informações, pessoas dinheiro etc…. O nível dos processos tem as seguintes características: não ocupa espaço como o nível anterior, mas decorre no tempo; os fluxos são racionais, lógicos, calculáveis, previsíveis etc.

c) Nível 3 – Relações -Este nível compreende o que acontece entre pessoas. É a alma ou o astral” da organização que se expressa pelo ambiente de trabalho. A estrutura informal tira os seus elementos deste nível, tais como: expectativas, esperanças; decepção; simpatias e antipatias; harmonia e conflitos; status, estilo de liderança, prestígio, poder; comunicação, etc. O nível das relações não é visível, como o nível dos recursos, nem lógico e racional como o dos processos. É sensível, não-racional, sutil e não pode ser controlado ou sistematizado como os níveis 1 e 2.

d) Nível 4 – Identidade – Este nível inclui aspectos como por exemplo: a biografia da empresa; a sua cultura e os seus valores; a missão e o sentido de sua existência; os objetivos empresariais; os seus mitos, os princípios de ação; a atitude perante o mundo; etc. O nível da identidade nos revela uma outra qualidade de consciência. Ela não ocupa espaço, não decorre no tempo, não é sensível ou racional, mas é o nível no qual trabalhamos com consciência e intuição. É a essência da organização. A seguir apresentamos o esquema gráfico desses conceitos.

Analisando este modelo constatamos um limiar entre os níveis 2 e 3 em termos de consciência. O nível dos recursos e o nível dos processos exigem uma abordagem científica. É a consciência dentro da qual estamos acostumados a raciocinar. A informática, a engenharia e a pesquisa operacional nos oferecem ajuda para atuar nestes dois níveis, nos quais as questões são quantitativas. É o nível da eficiência. O nível das relações diz respeito a consciência necessária para atuarmos eficazmente — consciência social, artística, lúdica. É o nível do diálogo entre indivíduos, grupos, departamentos. É tudo que acontece entre as pessoas. É o nível da estrutura informal que influencia a eficácia da organização.

Neste nível o sistema é aberto, pois as pressões do meio ambiente invadem o sistema empresa, de maneira incontrolável. Neste nível, o pensamento cartesiano, encontra seus limites, pois lidamos com questões qualitativas para as quais o pensamento científico é inadequado. Atuar com competência neste nível é mais uma questão de arte do que de ciência, e antes de tudo uma questão de experiência de vida.

Ilustrando melhor as nossas afirmações: quando analisamos um objeto podemos definir cientificamente: peso específico; massa; densidade; estrutura molecular, etc. Mas, nesta análise, nos escapam as qualidades do objeto, tais como: o gosto, cheiro, cor; a beleza e estética; os sentimentos que o objeto desperta em mim, se é quente ou frio, etc. Estas são qualidades que dependem de uma avaliação subjetiva e não podem ser definidas cientificamente. São estas as qualidades com as quais nos defrontamos no nível das relações. No nível da identidade, encontramo-nos com conceitos mais abrangentes. A sua compreensão exige uma consciência holística ou ecológica.

No nosso exemplo, questionaríamos a essência do objeto, o seu significado dentro de um contexto maior. Com a consciência holística, compreendemos a relação do objeto com outros objetos dentro de um sistema maior. Cada nível qualitativo exige consciência e habilidade diferentes para atuarmos eficazmente na organização. Conforme subimos na hierarquia, mais necessária se torna a atuação segura nos níveis das relações e da identidade. Nos níveis dos recursos e dos processos aplicamos a inteligência, o raciocínio. No nível das relações, atuamos com a sensibilidade, ponderação e equilíbrio emocional. No nível da identidade, com sabedoria e intuição.

A empresa que não logra sucesso nos seus processos de qualidade total ou de reengenharia não o faz porque só tem conceitos e ferramentas no nível dos recursos e dos processos. Não é que esses instrumentos estejam errados ou que lhes falte algo. É não consideram na sua essência as qualidades dos níveis da identidade e das relações. Os processos de mudança eficazes têm como característica a atuação com ênfase simultânea e equilibrada no limiar da ciência e da arte. Nas esferas dos recursos e dos processos, estamos no mundo da ciência, para o qual a maioria das pessoas que influem nos processos de mudança foi preparada. Aqui podem ser encontradas as grandes virtudes da abordagem mecanicista das organizações. Nas esferas das relações e da identidade estamos no mundo da arte, para o qual não fomos preparados.

As empresas eficientes são as que se esmeram no nível dos recursos, e no nível dos processos, onde o melhor que se pode obter é a manutenção e melhoria ou inovação, isto para recursos e processos respectivamente. As empresas eficazes são as que, além de cuidar de recursos e de processos, também se ocupam do nível das relações, no qual o impulso é o desenvolvimento das pessoas, pois só pessoas se desenvolvem. As empresas excelentes são as que conseguem trabalhar no seu processo de mudança com a esfera da identidade, onde as transformações ou o processo de mudança têm origem. Resumindo:

Nível Efeito possível Habilidades
Recursos Manutenção Técnicas
Processos Melhoria constante ou Inovação Técnicas e organizativas
Relações Desenvolvimento Sociais
Identidade Transformação Conceituais e holísticas

A figura 4 (Níveis Qualitativos da Organização) apresenta de forma esquematizada esses conceitos, inclusive com o conceito das crises pelas quais as empresas podem passar, delineadas anteriormente no item 2.

9. As pontes entre o indivíduo e a organização

A partir dessa visão abrangente e consistente com a realidade, podemos fazer algumas constatações. Se observarmos as invenções da humanidade verificamos que, na essência, elas visam expandir qualidades e habilidades que existem no ser humano. Por exemplo, da invenção roda ao avião a jato, a busca é a expansão da nossa capacidade de deslocamento no espaço que é própria das das pernas humanas. Outra possível conexão é a do computador. O que é a memória central de um computador a CPU, senão uma expansão do cérebro humano, a impressora senão a expansão da nossa boca no processo de emitir informações através da fala, o “scanner” senão a extensão dos nossos olhos . Por analogia, também podemos constatar que ser humano é construtor ou co-criador de instituições sociais (grupos, empresas, associações, sociedades, países etc) à imagem e semelhança da sua estrutura mais sutil.

Na empresa, o seu corpo físico está conectado com nível dos recursos; o corpo vital está relacionado com o nível dos processos; o corpo astral, com o nível das relações; e a individualidade, com o nível da identidade da empresa. Um processo de mudança deve contemplar o desenvolvimento do ser humano e da empresa em todos os níveis (identidade, relações, processos e recursos). A empresa só se desenvolve se as pessoas que a compõem se desenvolverem, e vice-versa. Porque há uma ligação ontológica entre essas duas individualidades essa ligação se concretiza pela existência de pontes entre eles. Essas pontes são:

a) A ponte da identificação é feita entre a essência ou o EU do indivíduo e a identidade da empresa. O indivíduo se sente identificado com os valores, a cultura ou o caráter da empresa. Quando tem esse sentimento, o indivíduo se vê cumprindo a sua missão de vida através do trabalho.

b) A ponte da motivação ocorre quando o indivíduo se sente bem no ambiente da empresa encontrando espaço e situações em que se percebe considerado como ser humano. Falamos aqui de motivação, comunicação, liderança e outros processos da mesma natureza. Isso ocorre quando o indivíduo tem espaço para manifestar o seu sentir.

c) A ponte da dedicação ocorre quando os dois fatores acima estão presentes no dia-a-dia do indivíduo. É nos níveis dos processos e dos recursos que acontece a qualidade dos produtos e serviços. É a esfera do fazer ou do agir.

d) A ponte da segurança ocorre quando as pessoas vão trabalhar apenas pelo holerite do final do mês ou pelos benefícios materiais que a empresa oferece. Esses fenômenos acontecem de forma dinâmica e a qualidade de um processo de mudança está em saber conduzir esses aspectos planejadamente. O ser coletivo, a empresa, tem dentro de si os valores e influências de todos os seres individuais que o formam. E esses seres tem têm atrás de si uma entidade maior ainda que os condiciona, que é o mercado. Um processo de mudança eficáz é aquele que consegue colocar os níveis qualitativos da empresa (identidade, relações, processos e recursos) sintonizados com essa entidade maior que condiciona o todo da empresa, que são as necessidades do mercado.

O objetivo principal de uma processo de mudança é conectar esses níveis com as necessidade do mercado de forma planejada. A próxima figura explicita melhor esses conceitos.

Se quisermos obter a qualidade total, é no ser humano que devemos investir porque ele é a origem de tudo. Se obtivermos excelência nas pessoas, a excelência empresarial será consequência. Só que a excelência empresarial vem a partir do atendimento das necessidades do mercado. Para tanto é fundamental que a empresa mude no sentido de ter o mercado como o direcionador das suas ações. Vistas dessa perspectiva, as empresas serão as universidades e as catedrais do futuro, porque elas, de fato, existem para atender necessidades humanas expressas no mercado e necessidades humanas intrínsecas ao próprio indivíduo que só podem ser manifestadas no grupo.

As empresas têm a partir desse princípio, o poder de se tornarem o grande motor de transformação da sociedade como um todo (Clientes, fornecedores, empregados, sindicatos, governo etc..). As grandes megatendências no mundo dos negócios mostram cada vez mais que a empresa do século XXI será a empresa sem fronteira, aquela que se integrará com funcionários, clientes, fornecedores e com a comunidade de onde tira recursos para a sua existência. Essa integração implica em influenciar tais públicos na direção de uma maior consciência e, que paradoxalmente será condição para o seu crescimento e desenvolvimento. Esta é a revolução que está sendo tecida no âmago dos processos de qualidade total ou de mudança das organizações nesse final de século. Sombras dos efeitos dessa revolução silenciosa já estamos começando a sentir através do movimento ecológico, movimento das minorias e do processo de globalização da economia.

10. O verdadeiro diferencial competitivo

O desafio que se apresenta de colocar a empresas e seus recursos voltados para o mercado exige tempo, coragem, persistência e paciência. Quando consolidado, esse novo patamar se torna um diferencial competitivo definitivo. A mudança cultural é um fenômeno de aprendizagem coletiva exclusivo de cada empresa, pois quem aprende não é a empresa mas sim as pessoas individualmente e em grupo. O concorrente nunca poderá queimar etapas nesse processo porque, como entidade viva, a empresa também não pode dar saltos no seu processo evolutivo. Ela pode sim, através de uma processo de mudança com as características que estamos apresentando, acelerar o seu processo de aprendizagem e de desenvolvimento.

A figura 6 a seguir, apresenta esse modelo conceitual holístico, simulando a Empresa A e a empresa B, sendo que a empresa A iniciou o seu processo de mudança antes da Empresa B, que era mais competitiva no mercado até então, criando um diferencial competitivo definitivo tendo em vista a complexidade e as dificuldades de um processo de mudança. A figura também destaca as fases de demandas históricas constatadas no mercado nos últimos 40 anos e a fase que se inaugurou na década de 80 no contexto americano e europeu.

11. Programas de mudança x Processos de mudança

Em várias empresas verificamos esforços honestos para implantar mudanças; mas em poucas os programas levaram aos objetivos de forma duradoura e consistente. Há o entusiasmo e a mobilização inicial, mas após algum tempo os velhos hábitos ressurgem e ninguém mais fala no que havia sido proposto, ocorrendo até a regressão dos patamares de produtividade e qualidade conquistados. Há programas de mudanças com resultados desastrosos para a cultura e para o nível das relações. Há verdadeiros estupros organizacionais e culturais de difícil recuperação. Em nome da modernidade ou da ânsia de experimentar a última onda do momento as empresas embarcam em perigosos modismos.

Após alguns milhares de dólares e belos relatórios e manuais nas estantes, a empresa reconhece que as soluções para os problemas são simples e estão dentro das suas paredes, porque cada empresa gera uma identidade específica que precisa ser tratada de forma única, o que os programas de mudança tradicionais não consideram. Uma corrente será tão forte quanto mais forte for o seu elo mais fraco, ou um comboio será tão veloz quanto mais veloz for o seu vagão mais lento. Assim o é também para os diversos componentes da empresas. A mudança é primeiro cultural para depois entrar nos processos e recursos. As pessoas que influem na cultura da empresa estão em diversos estágios de desenvolvimento como seres humanos.

Um programa tradicional de mudança não contempla esse aspecto, já um processo sim. Há presidentes e diretores que querem ver as empresas passarem de um estágio para outro através de decreto, do dia para a noite. Não é uma circular ou carta aos funcionários, um programa tipo café da manhã dos operários com a cúpula ou um vídeo hiper-produzido, que farão as pessoas se engajarem num processo de mudança. Há a necessidade de uma consciência comum e principalmente o comprometimento da cúpula com as mudanças.

Como consultores temos encontrado em muitas empresas iniciativas que formam verdadeiras colchas de retalhos, por não considerarem a empresa como um todo. Essa é a abordagem que se denomina consultoria de projetos ou de produtos, com intervenções localizadas, almejando resultados a curto prazo, sem levar em consideração o todo. A consultoria de processos aborda a realidade a partir de ações balizadas por princípios — têm início, mas não têm fim e os resultados são esperados a longo prazo porque aqui o que vale não é o tempo do relógio mas sim o tempo das pessoas, e à medida que as pessoas se desenvolvem todo o resto evolui.

Consultores de programas ou de projetos são profissionais que trabalham para o cliente, num produto em que a consultoria é “expert”. Na consultoria de processo o consultor trabalha com o cliente, porque pretende transmitir conceitos e metodologias que só se aprende fazendo juntos. Outro objetivo dessa abordagem é fazer com que o cliente seja, de fato, o dono do processo. Em um processo de mudança consciente o nível da identidade da empresa precisa ser revisitado e às vezes reconstruído pelo grupo que dirige a empresa. Para tanto é fundamental que a visão, os valores e a missão desse grupo sejam claramente definidos. Os valores desse grupo se manifestam na esfera do sentir. A missão da empresa nasce do querer desse grupo. Quando falamos da visão estamos nos referindo à qualidade do pensar desse grupo. O grupo deve responder entre outras, questões do seguinte tipo:

a) Visão – (pensar).
Como será o mundo daqui a 10 anos? Como será o nosso mercado? Quais são as tendências? Como queremos ser reconhecidos? Onde queremos estar?

b) Valores (sentir).
Em que acreditamos em termos de qualidade, satisfação do cliente, liderança, autonomia, Recursos Humanos, ética?

c) Missão (querer).
O que queremos? e O que o mundo nos cobra em termos de produtos, serviços, resultados econômicos/financeiros, meio ambiente, aspectos sociais?

Esses componentes — pensar, sentir e querer –, dentro de um processo de mudança, precisam caminhar de forma equilibrada, caso contrário o processo não será eficaz. O pensar normalmente é visto como os discursos dos executivos principais, as frases e credos afixados nas paredes mas que não estão no coração das pessoas. A visão dá impulsos para a formulação das políticas institucionais (políticas comerciais, de Recursos Humanos, de Informática etc.). O querer é traduzido pelas ações, cronogramas, manuais de operação que geralmente ficam nas gavetas. Os valores vem do sentir. Os valores precisam ser vivenciados. A grande falha dos processos de mudanças é não darem ao sentir (vivência) a mesma ênfase dada ao pensar (discurso) e para o querer (ação). A figura 7 explicita esses conceitos.

12. O modelo de Processo de Mudança

Apresentamos a seguir, na figura 8, um modelo conceitual que temos utilizado para conduzir processos de mudança. O processo de mudança se inicia pela consciência da sua necessidade sentida por uma ou mais pessoas do nível de identidade da organização (equipe de direção). Essas pessoas são em princípios os donos do processo. Estamos sempre falando em empresa como a entidade em processo de mudança, mas nada impede que essa entidade seja uma diretoria, uma filial ou uma seção. Muitos processos de mudança abrangentes começaram em áreas independentes, onde um executivo resolveu bancá-lo sendo que com o tempo o próprio processo se encarregou de transbordar para outras áreas da empresa.

Os componentes básicos do modelo são os seguintes:

a) Parte superior do Modelo. Diagnóstico atual. O Como nós somos? se refere aos aspectos qualitativos da empresa em termos de: liderança, comunicações, participação, políticas de Recursos Humanos, etc. O Como queremos ser?, se refere a uma visão futura que a equipe de direção tem sobre os aspectos qualitativos. Esta visão futura será cristalizada em uma carta de intenções desse grupo, que será passada e discutida com todos os escalões da empresa no sentido de validá-la e se transformar em um instrumento referencial para conduzir o processo de mudança nos aspectos qualitativos. Nessa etapa o grupo se confronta com a necessidade de conhecer e adotar novos conceitos e paradigmas de gestão. Aparece aí a necessidade de novos conhecimentos, para todas as pessoas envolvidas no processo.

b) Parte inferior do modelo: O onde nós estamos? se refere ao diagnóstico dos aspectos quantitativos da empresa como por exemplo: lucratividade, rentabilidade, volume de investimentos, market share, objetivos de qualidade etc. O onde queremos estar? se refere à visão futura dessa equipe acerca dos aspectos quantitativos. Essa visão futura será cristalizada nas diretrizes, objetivos, metas e planos estratégicos da empresa, que também deverão ser passados, discutidos e alterados (se for o caso) com os demais escalões. Nesta etapa, a equipe de direção se confronta com a necessidade de fazer. É necessário desenvolver novos conceitos e procedimentos de planejamento, execução e avaliação dos aspectos acima.

c) Parte central do modelo. Se refere ao ponto em que as pessoas e o grupo aprendem. Aqui ocorre a essência do processo de aprendizado coletivo e portanto o desenvolvimento da organização. É o espaço e o momento da vivência, ao qual nos referíamos, no item anterior. O papel do consultor nesta metodologia é trabalhar com o grupo, zelando pelo equilíbrio entre os aspectos qualitativos — que necessitam de maior proteção e cuidado — e quantitativos, que se referem aos aspectos concretos e objetivos, com os quais os grupos já são mais afeitos. O processo de mudança geralmente, tem início com um workshop de três dias com o monitoramento de um consultor, e os resultados esperados são: carta de intenção da cúpula para os aspectos qualitativos (parte superior do modelo); objetivos estratégicos da empresa em termos de diretrizes, objetivos e metas. O próximo movimento é esse grupo passar, discutir e negociar com os demais escalões da empresa, de forma planejada, a carta de intenções e os objetivos específicos de cada área. Os demais passos dependem das condições especiais de cada caso. Aqui, é importante a sensibilidade do consultor para fazer com que os clientes, donos do processo, dêem os próximos passos no sentido do comprometimento.

13. Estratégia de alinhamento

Para que um processo de mudança tenha sucesso é preciso que as pessoas que sofrerão os impactos das mudanças sejam envolvidas e alinhadas com os objetivos da mudança.. Executivos responsáveis por mudanças quando em grupo, invariavelmente verbalizam um profundo alinhamento com esses objetivos . No entanto, nas conversas e ações individuais, geralmente nota-se o contrário. A visão criada em grupo de forma genuína, não manipulativa tem a mágica de conectar as pessoas, a nível existencial com os objetivos mais nobres da organização, a energia ou com a essência da empresa.

A imagem de que o processo de mudança com as características apresentadas coloca as pessoas no mesmo barco (ver figura 9 a seguir) parece ser muito adequada. Porém não basta estarem todos no mesmo barco se esse barco não tiver um rumo e um porto de destino claro.. A visão quando gerada de forma compartilhada cria esse destino comum facilitando a parceria na viagem para um um outro estágio de desenvolvimento. A passagem da situação atual para a situação futura exige passos intermediários e o segredo para o sucesso dessa travessia é que a ponte de passagem tem que ser construída juntos com todos os envolvidos de forma planejada e participativa, através da vivência e do aprendizado individual e coletivo.


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Bibliografia Básica:

  • B. Uhler, Walter. O corpo como instrumento da alma. Associação Beneficente Tobias, 1980.
  • Lievegoed, B, C. The Developing Organization. Celestial Arts. Califórnia, 1973.
  • Lievegoed B.C. Fases da Vida. Crises e desenvolvimento da individualidade. Editora Antroposófica . 1991.
  • Skinner x Rogers. Maneiras contrastantes de encarar a educação. Frank Milhollam e Bill E. Forisha. Edit. Sumus Editorial, 1978.
  • Steiner, Rudolf. Teosofia. Editora Antroposófica, 1988.
  • Steiner, Rudolf. A Ciência Oculta. Ed. antroposófica, 1987.

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  1. Otaviano J.Pereira. O Equilíbrio do Ser. Aristóteles, Editora FDT, 1991.
  2. Rudolf Steiner. A Ciência Oculta. Editora Antroposófica, 1990.
  3. Rudolf Steiner foi um cientista, pensador e educador austríaco que faleceu na década de 20 e se destacou por trazer esses princípios arquetípicos para a aplicação prática – por exemplo, na agricultura, na educação, na medicina, na farmacologia, na religião, na psicologia e em muitas outras áreas. Rollo May.
  4. A Procura do Mito. Editora Manolo Ltda, 1983.

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