Liderando a mudança na Organização

Por Jaime Moggi
Os líderes, hoje, são menos chamados a fazer o trabalho do gerente – de manter as coisas funcionando, sob controle, implementando melhora contínua (e muitos, nem isso fazem) – e mais a fazer mudanças nas organizações. Mudanças que levem as organizações, grupos e indivíduos a novos patamares de inovação, produtividade e qualidade:
Nesse aspecto, uma abordagem muito comum é a tecnológica. Com a implantação de um novo sistema, um novo processo de distribuição. Ou a compra de novas máquinas, automatização das linhas de produção, etc.
São investidos milhões em grandes projetos técnicos. Mas quem (como eu) acompanha estas implantações em diversas organizações, pode observar o fracasso, às vezes trágico. Ou que há custo em tempo, dinheiro e sofrimento completamente desnecessários.
Ainda estou para ver a implantação de um ERP¹, por exemplo, que aconteceu no prazo e nos padrões de qualidade definidos no seu início.
Processos de terceirização de call center, que colocam três mil pessoas para fora da organização e, após dois anos, uma crise de qualidade e, consequentemente, de vendas, faz com que a empresa internalize, de novo, todo aquele contingente de pessoal.
Outra situação pode ser a de uma mudança dramática no processo de distribuição, com o objetivo de dobrar a rentabilidade da empresa. Um ano depois, a empresa, quase falida, é comprada pelo seu principal concorrente.
Estou citando casos reais do mercado brasileiro.
Muitas vezes se usa a tecnologia e o redesenho de processos com os objetivos errados.
Há alguns anos, uma grande empresa de telecomunicações nos chamou (a Adigo) para apoiar um processo de mudança cultural. A mesma havia passado por um startup difícil e, passado os primeiros grandes desafios operacionais, notava-se uma orientação cultural toda voltada para dentro. O cliente era um problema. Queriam, nas palavras dos executivos, construir uma empresa com foco no cliente. Apresentei uma metodologia de trabalho. E, como é comum nestes temas, falava de um processo de mudança cultural estruturado, não de um projeto com início, meio e fim. Algo que levaria entre um e dois anos para se consolidar.
Depois de alguns dias, me ligaram e disseram que preferiam contratar um CRM² para esta “mudança cultural”. Um ano depois, nos chamaram de volta, haviam implementado o CRM, mas a empresa não fazia nada com as informações do sistema.
Os problemas de qualidade e relacionamento com o cliente, em certo sentido, haviam até se agravado.
O erro, como nesse caso, não está em implantar um CRM, mas sim em implantá-lo com uma expectativa irrealista.
Um modelo que pode nos ajudar a olhar os processos e mudanças é o arquétipo da visão em quatro níveis das organizações, conforme Bernard Lievegoed³.
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Estes quatro níveis são interdependentes e se influenciam mutuamente.
Podemos observar, no mundo real, mudanças focadas apenas no nível dos recursos. Comprar máquinas, mudar layout, adquirir um novo galpão, um novo escritório.
Podemos ter mudanças apenas nos níveis de processos. Como as famosas reengenharias da década de 1990. E, hoje, com os redesenhos de processos de informação e de atividades.
Temos as mudanças focadas no nível das relações, muito comuns na década de 1980 e 1990. O grupo de executivos é levado para um hotel fazenda, onde faz biodança, psicodrama, sobe em árvores, anda sobre brasa, medita junto com o esquilo. Chora-se muito e, no final, o participante promete parar de fumar, acabar a relação com a amante, emagrecer, ser um novo líder, etc. Quinze dias depois, o sujeito está com duas amantes, fumando dois maços por dia, engordou cinco quilos e já voltou a ser o que era antes, só que um pouco mais hipócrita.
Ou então, trabalhamos só a identidade.Trancamos a diretoria num fim de semana, construímos a visão, a missão e os valores da empresa. O consultor pergunta aos executivos quais são os valores da empresa e eles respondem: ética, respeito às pessoas, trabalho em time, foco no cliente, etc. O consultor registra no flip chart, faz uma frase bonita para a visão e a missão e voilà: identidade pronta.
A diretoria volta para empresa, joga o relatório na gaveta e depois esquece. Ou pior, manda colocar a missão e os valores numa placa de aço escovado para ser fixada na porta de entrada da empresa. Isso vira motivo de chacota para a maioria, em razão da diferença entre a prática e a realidade.
Lembro-me que, certa vez, perguntei para um funcionário o que sustentava os valores da empresa. Ele, respondeu que era “o prego”!
Um processo de transição estruturado precisa abordar todos os quatro níveis da empresa. Do ponto de vista ideal, deveria começar com a identidade – o que define as características dos demais níveis.
Metodologicamente faz todo o sentido construirmos uma visão de futuro, de onde queremos chegar. Discutir os valores que temos presentes na empresa e os valores que precisamos desenvolver para chegar lá.
Na década de 1980 esse processo de discussão era feito com mais cuidado. Ao longo do tempo, passou por uma “pasteurização” e perdeu o poder de mobilizar as empresas para a transformação.
A visão deveria ser inspiradora, abrangente, detalhada o suficiente para dar uma direção mais clara à organização.
Recordo de alguns de nossos clientes que, ao descreverem qual a visão da empresa, apresentavam frases e conteúdos que explicitavam, claramente, qual a direção a ser seguida nos anos subsequentes. Tais como:

  • Em 2005 seremos uma empresa internacionalizada.
  • Em 2010 seremos uma empresa profissionalizada e administrada por um conselho externo.
  • Em 2015 seremos uma empresa organizada em unidades de negócios independentes, etc.

Hoje, ao descrever “a visão”, a maioria só se lembra de uma parte. A de que a empresa deve ser inspiradora:

  • Ser uma referência.
  • A melhor empresa do setor.
  • De alta qualidade.

Temos uma coleção de frases bonitas, mas que não expressam o que é, de fato, uma visão.
Alguns confundem o conceito de visão com missão, explicitando conteúdos que não traduzem nenhuma das duas intenções.
Um exemplo simples pode esclarecer.
Digamos que você é dono de uma padaria e, talvez, sua missão seja a de produzir e entregar alimentos de alta qualidade, gostosos para uma determinada região geográfica.
Sua visão talvez possa ser:

  • Em cinco anos ser uma padaria com um restaurante por quilo agregado ao tradicional serviço.
  • Possuir um sistema de entrega que atinja toda região Sul da cidade.
  • Ou, uma rede de padarias com um centro de distribuição único, etc.

Uma visão deve dizer algo que você não é, e, por conseguinte, o que quer ser.
Quanto aos valores, são aqueles que balizam o caminho, lhes mostram o seu limite.
Um bom jeito de saber quais são os valores é olhar para o passado e ver como a organização se comportou em tempos difíceis.
Na última crise, a organização precisou demitir pessoas? Se sim, como foi o processo de desligamento?
Dependendo da resposta, você pode dizer que a empresa tem como valor: respeito às pessoas.
Qual foi o último grande problema de qualidade que a empresa teve com seus produtos?
Como ela reagiu? Avaliando a reação, podemos dizer que ela tem foco no cliente?
A empresa tem “caixa dois”? Dá para dizer que ética está entre seus valores?
Também podemos olhar para os “desvalores” que a empresa tem e decidir mudá-los. Não é incomum, na história de desenvolvimento das empresas, estabelecer-se uma cultura autoritária e hierárquica e, talvez, avaliarmos isso como um “desvalor” para o cenário atual ou do futuro.
Depois disso, há que se compartilhar a visão com o restante da organização. Convidando todos a criticarem, melhorarem a visão e a se engajarem nela.
Temos um instrumento poderoso de mobilização das organizações, mas infelizmente não usado na maioria. Visto como algo abstrato e formal.
Se a organização vai estar diferente daqui a cinco anos, pressupõe-se que as pessoas também vão estar diferentes.
Quais as novas habilidades e conceitos que precisam ser incorporados?
Quais os novos processos?
Como vamos implementar?
Como vamos medir?
E, é claro, para saber para onde vamos é preciso saber onde estamos.
Todo bom processo começa com um bom diagnóstico.
Qualitativamente em termos de cultura, relações, clima e competência.
Quantitativamente, em termos de participação no mercado, faturamento, rentabilidade, etc.
Se você não tiver respostas a essas perguntas, você não tem uma visão. E não tem condições de iniciar o processo de mudança.
Este processo descrito aqui também pode e deve ser usado com um indivíduo, um departamento ou com a diretoria.
O desafio que se coloca diante de nós, tem na origem, na palavra líder (o que vai à frente), o papel de conduzir os grupos em direção ao futuro.
E não ser arrastado pelo futuro.
Se você está realizando um monte de mudança na sua área da organização – implementando novos processos, trocando pessoas, redesenhando estrutura -, mas não sabe responder com algum nível de detalhe onde e como esta empresa vai estar daqui a alguns anos, é melhor parar o que está fazendo!
Notas:
1- ERP: Sistemas integrados de gestão, em inglês, Enterprise Resource Planning. são sistemas de informação que integram todos os dados e processos de uma organização em um único sistema.
2- CRM: Gestão de Relacionamento com o Cliente, em inglês, Customer Relationship Management. gerir o relacionamento, principalmente, com os clientes, mas também com os fornecedores e parceiros.
3- Bernard Lievegoed: psiquiatra e educador holandês, que em 1954 fundou na Holanda o NPI – Netherlands Pedagogical Institute. Contribuiu com uma visão inovadora de desenvolvimento integrado de indivíduos, grupos e organizações.
 

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