Espiritualidade e os Ciclos da Vida, numa perspectiva do processo de Coaching

Por Jair Moggi

“Quando um espírito morre,
Nasce um ser humano.
Quando um ser humano morre,
Nasce um espírito.
Novallis


Matéria publicada na Revista Coaching Brasil Ed. 89 – Outubro 2020

Alguém já disse, que quando estamos diante de uma pessoa, estamos diante de um mistério a ser decifrado. Assim, o coach profissional quando está diante do seu coachee, tem essa instigante e desafiante missão.
Para mim, só este fenômeno, de um ser humano se arvorar em querer ajudar outro ser humano que o procura livremente serve para nos conectar com a natureza espiritual do processo de coaching. Pois para que este encontro coach-coachee ocorresse, quantos fenômenos, quantas variáveis, quantos outros encontros anteriores tiveram que acontecer para que essas duas individualidades se encontrassem em algum lugar do tempo e do espaço para poderem se ajudar?
Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia, a partir da sua pesquisa espiritual nos legou o conhecimento de que a nossa biografia é resultado de um criação sagrada que uma mente materialista tem dificuldade de entender e aceitar, já que essa biografia foi entretecida, com a nossa participação na nossa inatalidade, isto é, numa dimensão que precede o nosso nascimento biológico. Nessa jornada supra sensível, desde a morte até um novo nascimento que a nossa essência faz, contamos com a participação amorosa das mais elevadas hierarquias espirituais que nos acompanham nessa jornada.
Para que o coach, na interação com o coachee possa ampliar a sua capacidade de analisar, interpretar e obter “insights” para o processo de coaching, a partir do que o coachee lhe trouxe ao revisitar a sua vida (biografia) de forma estruturada existe a Metodologia Biográfica que tem como inspiração as descobertas de Rudolf Steiner. Em sua pesquisa espiritual sobre a vida humana ele descobriu que a mesma, quando contemplada de forma objetiva divide-se em diferentes ciclos caracterizados pelos setênios.
Segundo Steiner, não se pode compreender realmente o ser humano, quando não se observa a sua vida desde o nascimento até a troca dos dentes, da troca dos dentes até a puberdade, da puberdade até os 21 anos e assim sucessivamente. Em cada um desses períodos se observarmos bem, sempre algo de significativo ocorre, pois em cada período forças diversas intervém no desenvolvimento humano e o que ocorre em cada setênio é consequência de influencias dos setênios anteriores e cada setênio influência de forma metamorfoseada os setênios futuros, tornando-nos diferentes em cada estágio da vida em relação a nós mesmo, apesar de ao longo da vida continuarmos sendo iguais como constituição física e temperamentos.
Durante o processo de Coach é importante colocar o coachee em contato com a sua própria biografia de forma organizada, isto é, destacando os seus ciclos.
Em uma de suas inúmeras palestras sobre o tema, Steiner afirma que “o homem possui um caráter inato que só se revela gradativamente no curso da vida. Percebe-se o seu interior como que a se derramar para o exterior, de modo a configurar tudo a sua maneira”, nesse sentido a metodologia biográfica cria condições para que esse “derramar” ocorra de forma consciente gerando insights para o coachee e para o coach durante o processo.
Aprendemos nos bancos escolares sobre a metamorfose da lagarta em borboleta e também sobre o fascinante processo de transformação pelo qual passam as plantas: da semente até o fruto, passando pela criação de cada folha e retornando à forma de semente.
Nossa vida guarda muita similaridade com esses processos da natureza e, ao nos debruçarmos sobre o estudo de uma biografia, avaliando os eventos ocorridos ao longo dos anos, adentramos um ambiente de forças muito sutis (espirituais), em que a teia da vida vai sendo criada do passado para o futuro. Avaliando de forma objetiva os fatos e sentimentos passados em cada setênio, encontramos desafios, crises, pessoas, impedimentos, facilidades, impulsos, ajudas recebidas, intenções e padrões presentes e não percebidos na nossa história de vida que podem ser ressignificados no contexto do processo de coaching . Nessa análise consciente, somos impelidos a ver além dos eventos e descobrir seu significado para o nosso caminho de desenvolvimento e missão de vida.
Na perspectiva do trabalho biográfico podemos dizer que os eventos que ocorrem nos setênios iniciais da vida se metamorfoseiam influenciando setênios futuros, podendo ser espelhados quando colocamos os setênio até os trinta e um anos e meio em frente aos setênios pós trinta anos e meio. Essa influência metamorfoseada é o que se chama de “ espelhamento” , no processo de coach orientado pela antroposofia. Nessa análise é preciso notar que um fenômeno que ocorre num setênio não ocorre no próximo setênio ou no seu espelho de forma absoluta, como causa e efeito, pois se assim fosse, estaríamos pensando de forma materialista. Os eventos biográficos quase sempre ocorrem de forma metamorfoseada o que é uma lei espiritual arquetípica.
Como coaches podemos ajudar o coachee nesse processo, pedindo para que ele faça um levantamento da sua biografia , colocando num formulário setênio por setênio, os eventos relevantes que aconteceram na sua vida. A partir desse levantamento é possível fazer um mapa para verificar os possíveis espelhamentos de fatos e fenômenos de um setênio para outros setênios à frente.
O espelhamento na biografia nos permite ver por exemplo, que aquele coachee que se sente preterido ou perseguido por seu gestor atual também tenha nutrido sentimentos similares por seus pais, professores e outras lideranças com quem já lidou no passado. Assim, como coach, a pergunta para ele poderia ser: Como quebrar esse padrão ou esse círculo vicioso? O que pode e precisa ser transformado e ressignificado para que isso mude?
Nessa contemplação dos fatos biográficos coletados junto com o coachee podemos olhar um fenômeno em um setênio e verificar como ele vai se metamorfoseando ao longo do tempo e, se for o caso, criar uma visão de futuro com esse fenômeno já transformado. Por exemplo: como será que um coachee que em sua infância e adolescência vivenciou situações de muitas brigas, discussões e castigos em sua família de origem está se portando hoje em relação à sua esposa, filhos, colegas de trabalho ou subordinados caso ocupe uma posição de liderança? O que desse ambiente do passado pode estar se repetindo de forma metamorfoseada hoje na vida familiar ou profissional do coachee?
Repetirá ele os mesmos atos? O coach pode desafiá-lo a metamorfoseá-los a partir da construção de uma boa visão de futuro. Se é verdade que apresentamos características distintas ao longo do tempo, o que as situações que se repetem ou as consequências de eventos passados podem nos ensinar? Ou a que precisamos ficar atentos para não sermos enredados pelos mesmos fenômenos a partir da consciência e dos problemas que essas situações nos trouxeram no passado?
Existem diferentes estruturas ou tipos de espelhamento e sua representação mais usual é um gráfico em forma de “V”, cujo ponto central inferior representa a idade ou o ponto de inflexão da mesma curva biográfica. Os dois extremos do gráfico, por sua vez, representam o início e o fim do período a ser estudado. Essa curva é dividida nos setênios, com os eventos e sentimentos anotados de forma sintética para cada setênio no gráfico.
O espelhamento mais usual num processo de coaching é o espelhamento dos 31,5 anos, cuja forma será a de um “U”. A seguir um modelo sintético desse formulário que pode ser solicitado ao coachee como lição de casa.

A Dra. Gudrun Burkhard, introdutora da metodologia biográfica no Brasil, ( ver bibliografia no final), afirma que trazer os espelhamentos de forma estruturada para o coachee é um trabalho espiritual de maior relevância, pois cria condições para que fora da seção possam ser inspirados no seu subconsciente insights sobre ele mesmo, no sentido dele aperfeiçoar o que já está sendo feito ou então ser despertado para assumir atitudes assertivas para mudar o que precisa ser mudado e para aceitar o que não pode ser mudado por razões que ele ainda não quer ou não consegue compreender. Isso muitas vezes é resultado de metamorfoses de aspectos sutis internos não percebidos pelo coach ou pelo próprio coachee no momento da interação coach-coachee.
Recomendarmos fortemente que a partir dos conceitos vistos neste artigo e da consciência de que quando dois seres humanos se encontram “ vis a vis “ num processo de coaching, eles estão tendo a oportunidade de se conectarem com uma obra espiritual excelsa articulada pelos deuses ( as hierarquias espirituais). Assim a responsabilidade do coach no exercício do seu ofício vai além do mero exercício de um trabalho de desenvolvimento.
É importante que diante desse desafio misterioso instigante o próprio coach possa olhar a si mesmo e perceber como esse mistério atuou e atua em si mesmo para poder ajudar como coach o outro mistério, o coachee, que o destino colocou na sua frente.
Ao fazer isso ele com certeza estará afinando seu instrumento existencial de trabalho que é a sua alma e o seu espírito.
Bibliografia

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