O despertar do gigante adormecido

Por Jair Moggi
Há cerca de 15 anos, uma onda de mudanças vem agitando as empresas privadas brasileiras, causando muitas transformações em toda a sociedade. Quem ousasse dizer, no início da década passada, que alguns setores econômicos brasileiros chegariam a este último qüinqüênio do milênio em condições de disputar com as melhores economias do mundo talvez ouvisse uma gargalhada como resposta. Mas a verdade é que os administradores brasileiros demonstraram uma surpreendente capacidade de adaptação e de crescimento — não só das pessoas como também das organizações.
Isso se deve a uma crescente consciência de que o sucesso das empresas está relacionado à sua capacidade de adequarem-se, como entidades coletivas, aos seus ambientes, no curto prazo, colocando-se inteiramente à disposição para antever e atender as necessidades dos clientes com grandes doses de agilidade, flexibilidade e criatividade.
Esses fatos, no entanto, parecem não ser suficientes para convencer os eternos céticos de que essas mudanças contaminaram também os setores públicos brasileiros. Embora a preocupação com a modernização dos estados e das empresas públicas seja mais recente, isso não quer dizer que a revolução seja menor — ela, provavelmente, vai causar tanta ou mais convulsão na vida do cidadão comum do que o despertar da empresa privada vem motivando nos últimos anos já que, como se sabe há muito tempo, o estado brasileiro é um gigante adormecido e vai abalar muitas estruturas na medida que se movimente.
Vale lembrar que o fenômeno não é exclusivamente brasileiro, embora aqui ele tenha características próprias. As recentes manifestações públicas na França e as paralisações da máquina estatal norte-americana são as partes visíveis do iceberg: em todo o mundo as administrações públicas procuram ajustar suas contas e modernizar suas máquinas.
Embora não se deva confundir o processo privado com o público (já que eles têm naturezas diferentes, o primeiro com um compromisso de aumento do capital investido que jamais se poderá exigir do segundo), existe a necessidade de tentar aprender com quem já está vários passos à frente nessa modernização.
Os paralelos entre os dois movimentos de despertar — na economia privada e na vida pública — são vários e de diferentes tipos. As empresas privadas começaram seu processo de modernização pressionadas pelo mercado e pela abertura da economia. O setor público o faz pelas mesmas razões, se encararmos o seu “mercado” como a sociedade em geral e a integração dos países a blocos regionais como o equivalente à globalização econômica.
A modernização foi a última alternativa que restou às organizações privadas que não estavam dispostas a sucumbir diante da concorrência. Embora não se possa falar em concorrência entre países, é inevitável uma comparação entre os processos de bancarrota do gigante Panam e de decadência e fragmentação da União Soviética. Enquanto esses fatos surpreendiam os que não acreditavam na necessidade da modernização, grandes empresas desmobilizaram-se e transformaram-se em aglomerados de pequenas unidades articuladas para atender aos requisitos de agilidade e flexibilidade do mercado. Entre elas, pode-se citar a IBM, ITT, GM, GE e outras. Alguns países, como Itália e Japão, também souberam modernizar-se e ocupar um entre os cinco lugares reservados às mais poderosas economias mundiais.
As grandes mudanças, no entanto, vieram de empresas que sequer existiam há poucos anos — como a Apple, por exemplo — e de países que hoje abarrotam prateleiras de supermercados em todo o mundo, mas dos quais, há dois anos, pouca gente sabia a localização no mapa, ou a correta grafia dos nomes, como Cingapura e Taiwan. Nenhum dirigente empresarial ou político lúcido tem a audácia de imaginar que, sem mudanças, sua organização estará a salvo de um destino semelhante ao da Panam — que, depois de ter feito o seu mershandising no filme 2001, Uma Odisséia no Espaço, não estará viva para assistir ao ano 2001 cronológico, ainda que este seja muito menos espetacular, surpreendente e simbólico que aquele. Para quem parar, refletir e observar, resta apenas um caminho: o da modernização, da democratização de organizações públicas e privadas que só vão emplacar o próximo século se estiverem efetivamente voltadas para o bem estar do cidadão e do cliente.
Outro paralelo importante é que a modernização nas empresas privadas começou em pontos isolados – quem não se lembra das “ilhas de qualidade”? — para depois tornar-se um fenômeno generalizado. O mesmo está acontecendo no setor público. Aqui e ali há pessoas que percebem que o verdadeiro “cliente” do seu trabalho é o cidadão e a comunidade. São esses pioneiros que estão fazendo empresas e instituições governamentais reagir com vigor no sentido de conectarem-se com os ventos da mudança. Muitos dirigentes públicos já manifestam uma genuína preocupação no sentido de terem um governo mais eficiente e estão tomando ações concretas nesse sentido. Estão conscientes do enorme esforço que despenderão para mudar culturas caracterizadas pelo paternalismo, pelo descompromisso com o bem público, a falta de visão de futuro, os corporativismos e a burocracia exagerada. Mas não desistem.
Eles sabem que esta virada de século é o momento adequado para avançar na busca de soluções inovadoras. É chegado o tempo de trazer as comunidades que representam o cidadão para participar de forma planejada e organizada das questões ligadas à gestão do bem público, de realizar parcerias com a iniciativa privada naquilo em que ela pode ser mais competente do que o governo ou naquilo em que a escassez de recursos possa ser complementada com dinheiro privado dentro de um processo participativo e transparente. Tudo isso buscando redução de custos, aumento da produtividade, envolvimento dos clientes internos e externos (comunidades e cidadão), de forma objetiva e focada em resultados de longo prazo, que vão além do atual mandato ou do partido do poder – ou seja, sem que a nobreza da missão governamental seja perdida em função dos interesses de grupos ou de modismos.
É claro que ainda se trata de iniciativas isoladas e esparsas por todo o Brasil. Mas elas têm o mesmo significado dos primeiros furos em uma barragem que está prestes a explodir. Não devem ser desprezadas porque vão marcar o tom das mudanças no setor público que se adaptarão aos novos paradigmas de gestão com uma abordagem também inovadora e voltada para resultados para as comunidades e populações das quais dependem. E, principalmente, porque elas demonstram que o funcionário público não é diferente de qualquer outro trabalhador – se for genuinamente motivado e incentivado a prestar um bom serviço (incluindo, aí, é claro, o estímulo indispensável do bom exemplo de seus superiores), ele o fará, com qualidade, produtividade e alegria.
Apesar de todos esses indícios, ainda há quem prefira continuar apelando para velhos chavões – do tipo “funcionário público não gosta mesmo de trabalhar” ou “só a privatização salva este país” — em vez de observar a realidade, com isenção e confiança nas mudanças. A hora não é mais de ceticismo – ele não tem mais graça, nem charme, sequer está na moda – mas sim de encontrar os sintomas desse despertar e apoiar esses processos.

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